Matéria do Jornal do Commércio - Manaus, 16, 17 e 18 de agosto de 2025. Assinada por Pedro Cortes. | cortes_pedro@homail.com
Especialista afirma que capacitar mesmo profissionais temporários é investimento estratégico capaz de preservar padrão e cultura organizacional em tempos de alta rotatividade.
Em um cenário econômico marcado por margens estreitas, consumidores cada
vez mais exigentes e uma guerra silenciosa por produtividade, o varejo brasileiro enfrenta um dilema estrutural: como garantir excelência operacional em um ambiente onde mais da metade da força de trabalho se renova anualmente?
Segundo a ABTD (Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento), redes do setor chegam a registrar índices de rotatividade superiores a 50% ao ano, com permanência média de apenas três a seis meses em funções de entrada.
A alta velocidade dessa “porta giratória” desafia lideranças a repensarem, com urgência, suas estratégias de formação e desenvolvimento de equipes.
O paradigma tradicional, centrado em programas de capacitação esporádicos e longos ciclos de aprendizagem, mostra-se insuficiente para atender a um mercado onde o tempo de rampagem do colaborador tornou-se variável crítica de
competitividade.
Empresas quedemoram meses para tornar seus profissionais produtivos acumulam prejuízos invisíveis como vendas perdidas, clientes insatisfeitos e desgaste de marca. Em contrapartida, organizações que adotam modelos de treinamento contínuo e sob demanda, combinando microlearning, plataformas digitais e integração ao fluxo de trabalho, têm conseguido extrair resultados expressivos mesmo em contratos de curta duração. Essa mudança de lógica não se restringe a ensinar técnicas de venda ou operação. Envolve preparar pessoas para entregar valor desde o primeiro dia, equilibrando habilidades
técnicas com competências comportamentais como escuta ativa, empatia e adaptabilidade.
Nesse contexto, a visão de Gustavo Malavota, sócio fundador do Grupo Mola, fundador do Instituto Vendas, mestre em Gestão e Desenvolvimento, graduado em Marketing pela ESPM e criador do método ‘10 Ações em Vendas’, torna-se decisiva.
Com sólida experiência na construção de estratégias de capacitação, sustenta que
treinamento não é gasto, mas ativo estratégico, capaz de transformar mesmo a mão de obra temporária em vetor de excelência quando capacitada com consistência e inteligência.
Nesta entrevista, Gustavo Malavota desmonta a resistência de lideranças que hesitam em treinar profissionais com prazo de validade, apresenta metodologias que encurtam o caminho entre a contratação e a performance plena e aponta como o treinamento contínuo pode se transformar em um escudo contra a perda de padrão e de cultura organizacional.
Em tempos de alta rotatividade, a provocação é clara: não se trata de apostar em quem vai ficar, mas de garantir que, enquanto estiver na operação, cada colaborador seja capaz de entregar o máximo, pois no varejo a velocidade com que se forma um time pode ser a diferença entre liderar e desaparecer.
Em setores com alta rotatividade, como o varejo, o investimento em treinamento contínuo costuma ser visto com ceticismo. O que sustenta, em termos práticos
e estratégicos, a decisão de capacitar intensamente profissionais com permanência média de poucos meses?
O treinamento pontual é um investimento de alto custo com retorno momentâneo, sendo pouco eficaz e até discutível em empresas de alta rotatividade como o varejo. A recomendação é que o treinamento não seja feito somente de forma pontual, mas sim de maneira constante e perene para atender o público e a sua alta rotatividade, criando um treinamento vitalício.
A implementação de treinamento contínuo deve se basear em onboarding e ongoing. Propõe-se um modelo de treinamento vitalício com duas frentes: onboarding e ongoing.
O onboarding é o treinamento de entrada padronizado e gravado, disponível em plataforma e obrigatório para todo novo colaborador. E o ongoing é aplicado de acordo com o déficit do time, mas com base no que foi criado para o onboarding.
Com ciclos de permanência cada vez mais curtos, os modelos tradicionais de capacitação mostram-se insuficientes. Que estruturas formativas realmente permitem preparar colaboradores para entregar desempenho desde os
primeiros dias, sem comprometer a profundidade do aprendizado?
Empresas que não investem em treinamento apresentam baixa produtividade e baixo rendimento, o que comprova que não fazer é ainda pior. Fazendo uma analogia com o esporte, quando você para de fazer uma atividade física, não volta ao estado de onde parou, volta pior do que estava. Em vendas, acontece a mesma coisa.
O mais importante é compreender que, mesmo diante da rotatividade, o treinamento é uma ação estratégica. É fundamental criar uma plataforma de capacitação contínua que assegure a manutenção da eficiência, independentemente da saída ou entrada de colaboradores.
Plataformas digitais, trilhas gamificadas e microlearning vêm ganhando espaço em programas de T&D. Como garantir que essas soluções não resultem apenas em acesso superficial ao conteúdo, mas sim em aprendizagem significativa integrada à rotina da operação?
Sabemos que esse é um público dinâmico, que geralmente não se engaja com modelos tradicionais de treinamento. Por isso, na Mola Educação propomos um modelo digital pensado especialmente para esse perfil.
A estrutura que oferecemos começa com conteúdos gravados e disponibilizados nos cinco primeiros dias, com foco em temas como sistemas, vendas e operação, variando de acordo com a realidade de cada varejo.
Após essa etapa inicial, o colaborador passa a receber treinamentos contínuos, de forma espaçada, conforme sua função. Por exemplo, se atua como vendedor em uma loja de calçados, os treinamentos abordarão tendências, novidades do setor e conteúdos específicos por categoria: como tênis de corrida, sapato social, calçados
femininos ou masculinos, entre outros. Em casos de vestuário, os módulos podem incluir linhas como moda casual, praia, entre outros.
Muito além da técnica, habilidades comportamentais como escuta ativa, empatia e adaptabilidade tornaram-se elementoschave para a experiência do cliente. Como incorporá-las de forma eficaz em programas voltados a funções operacionais com alta pressão por resultado?
As plataformas de educação surgiram para facilitar e modernizar o processo de aprendizagem. Se olharmos para o varejo alguns anos atrás, por exemplo, em 2008 e 2009, quando participei de treinamentos no setor, os recursos eram bem diferentes: utilizávamos apresentações em PowerPoint, DVDs e muitas apostilas.
Hoje, contamos com tecnologias muito mais eficazes e alinhadas ao perfil do público do varejo, que em sua maioria é jovem e se conecta melhor com formatos ágeis e visuais. O microlearning, por exemplo, inspirado no consumo rápido de conteúdo das redes sociais, tornou-se um formato ideal. Vídeos curtos e objetivos, com linguagem direta e dinâmica, conseguem transmitir de forma eficiente aquilo que o colaborador realmente precisa saber no dia a dia.
Ainda que a presença do colaborador seja temporária, muitos profissionais, especialmente os mais jovens, valorizam empresas que oferecem aprendizado constante. Como essa tendência pode ser explorada para fortalecer o vínculo simbólico entre marca e talento, mesmo em contratos curtos?
O fato de haver pressão no time comercial não tem uma correlação direta com a qualidade do atendimento. Então, posso ter, sim, muita pressão em cima dos colaboradores, por conta da cobrança para alcance de resultado, mas com o método e o padrão, consigo fazer com que os vendedores façam aquilo que precisa ser feito.
A hesitação em treinar profissionais com “prazo de validade” ainda é comum em muitas lideranças. Essa postura revela apenas uma preocupação com retorno imediato ou expõe uma resistência mais profunda à revisão dos modelos tradicionais de gestão?
Profissionais valorizam profundamente as empresas que investem em educação, pois reconhecem que o desenvolvimento técnico, comportamental e mercadológico é essencial para alcançar posições de destaque. As organizações, nesse sentido, tornam-se, senão a principal, certamente uma das melhores fontes de aprendizado profissional, ao oferecerem caminhos concretos para que seus colaboradores evoluam e atinjam melhores resultados.